quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Hamlet e medos


"Ser ou não ser. Eis a questão: é mais nobre sofrer na alma as pedradas e flechadas de um destino ultrajante ou pegar em armas contra um mar de problemas, e enfrentando todos, acabar com eles? Morrer, dormir... mais nada. E no sono acabar com a aflição e os mil choques naturais que a carne traz em si. Essa é a consumação que se deve querer como uma bênção. Morrer, dormir. Dormir, sonhar talvez: isso é que é difícil! Porque os sonhos que podem existir nesse sono da morte, depois que nos livramos desta confusão mortal, nos fazem parar para pensar. É isso que tanto prolonga a calamidade desta vida. Quem há de preferir as chicotadas e o desprezo do tempo, a humilhação do opressor, a arrogância do orgulhoso, as dores do amor desprezado, a demora da lei, os desaforos do poder, e os chutes que os talentosos pacientemente recebem dos indignos, quando o próprio sujeito pode encontrar a sua paz na lâmina nua de um punhal? Quem é que agüenta esse fardo, gemendo e suando numa vida dura, senão pelo medo de alguma coisa depois da morte, o país desconhecido, fronteira que ninguém cruza de volta, que confunde a nossa vontade, que nos leva a preferir os males que já temos do que voar para outros que não conhecemos? É assim que a consciência transforma todo mundo em covarde, é assim que a cor natural da determinação acaba desbotada pela palidez do pensamento, e grandes projetos importantes perdem o rumo, e não podem ser chamados de ação."

A TRAGÉDIA DE HAMLET, PRÍNCIPE DA DINAMARCA
de William Shakespeare, tradução de José Rubens Siqueira


Já reli tantas vezes esse solilóquio de Hamlet, e ele continua a me emocionar. Esse drama existencial é o que penso e sinto, escrito de forma magistral pelo mestre dos mestres.
Mas especialmente hoje, e por um motivo pra mim desconhecido, ele ficou martelando em minha cabeça durante boa parte do dia, e não sosseguei enquanto não parei para relê-lo... se é que posso chamar de sossego essa angústia de estar viva que estou sentindo nesse exato momento. Preciso confessar um coisa muito séria, estou perdendo a fé nas pessoas.
Posso estar sendo radical, ou não estar num bom dia, mas estou com medo. Medo de mim. Medo de perder a fé em mim também. Medo de desistir. Um medo incalculável de não conseguir mais me alimentar das pequenas esperanças. De vedar meus olhos para as belezas cotidianas. De não mais encontrar o amor no pôr-do-sol, no sorriso banguela da minha afilhada, na água da chuva sobre a grama ou no entraleçamento de mãos, corpos que se desejam. Medo de me enganar mais uma vez.

Eu não sei o que estou fazendo aqui, e tenho medo de nunca vir a saber.
(Imagem: Canibalismo de Outono, Salvador Dali)

Um comentário:

Fabiano Conte disse...

Você está precisando, urgentemente, ler Nietzsche e Freud. Nietzsche e Freud, FG. Porque (eu acho) a questão não está no fato de você perder a esperança nas pessoas, mas sim na expectativa que você cria a respeito delas, ou seja, na projeção que faz sobre o como elas devem ser.